30.3.05

 

Sobre a anunciada medida de introdução do ensino do inglês na Escola Primária.

Rejubilemos, assim nos aconselham, com a apregoada introdução do ensino do Inglês na Escola Primária, mas não esqueçamos aquilo que foi dito a propósito da outra famigerada introdução : a dos Computadores nas Escolas e do seu acesso à Internet, instrumentos arvorados em panaceias auto-suficientes para promoverem a modernização e o sucesso escolares.

Sempre, naturalmente, sem esforço, sobretudo sem o negregado trabalho, mas, pelo contrário, no mais completo ambiente de festa, descontraída e divertida, como acham os pós-modernos Pedagogos que deve ser o actual Sistema de Ensino.

Tudo, advirta-se, sem esforço, como se em festa, numa franca diversão, sem a maldita da Matemática, disciplina, como se sabe, extraordinariamente rebelde ao espírito libertário e igualitário que se deseja inculcar nos jovens aprendizes. Como aliás desgraçadamente acontece com mais algumas disciplinas :

A Física, por exemplo : uma chatice, com imensas fórmulas que alguém inventou e agora há que conhecer e utilizar ; as Ciências Naturais, com múltiplos nomes arrevesados de muita teoria e prática interpretativas dos inúmeros processos a estudar ; a Geografia, com enorme variação de fenómenos a identificar, pelas diversas regiões do Globo ; a História, longa, por natureza, com muitos intervenientes, montes de datas de referência ; o Português, cuja gramática não se aguenta, carregada de subtilezas, de variantes, com muitos verbos irregulares, com demasiados modos e tempos para reconhecer e dominar, havendo tantas outras coisas alternativas para fazer, como sentar-se comodamente no sofá a ver bonecos ágeis, inteligentes, ainda que vocacionalmente maléficos, cheios de artimanhas curiosas, que tanto estimulam e ensinam às mentes precocemente enfastiadas, por sobredoses de excitação electrónica, das nossas fragilizadas crianças.

Isto para já não falar naquelas disciplinas que, em bom tempo, praticamente abolimos do Ensino, como o Latim e o Grego, falares horríveis, desactualizados e inúteis, embebidos em gramáticas tortuosas, mortificantes, consumidoras inúteis da nossa juvenil energia intelectual.

O mesmo se diga do Francês, que deixou felizmente de ser obrigatório no Secundário, apesar de falado na actualidade por vários países, em muito lado e por imensa gente, que, entretanto, deve ter ficado, presume-se, irremediavelmente antiquada. A sua gramática, porventura ainda mais minuciosa e subtil que a do Português, inevitavelmente o condenou ao insucesso, tal como aconteceu com o Alemão, de resto, idioma rebarbativo, que insistia nas declinações e na rigidez das regras gramaticais.

Felizmente que já nada disto atormenta e obnubila os desembaraçados espíritos das novas gerações.

Quando tudo tivermos transformado em alegres e divertidas sessões de batucada de teclas, com animação de suporte, para aligeirar as matérias, teremos atingido o clímax do sucesso do Ensino e os jovens correrão ansiosos e afogueados para as Escolas, finalmente tornadas templos de diversão e recreio, onde o conhecimento será facultado, disponibilizado, todo pronto, sem nenhum laivo de esforço, para gáudio dos Pedagogos pós-modernos que assim verão realizado o seu grande e persistente desiderato : substituir a ideia de esforço pela de diversão na aprendizagem das matérias do Ensino oficial.

Falta pouco para tal se tornar realidade. Só mais um pequeno esforço, cidadãos modernos e optimistas, obreiros dos futuros êxitos sociais e civilizacionais.

A visão atrás caricaturada não está infelizmente tão distante de nós como os optimistas negligentes nos querem fazer crer. Com a exaltada introdução do Inglês na Primária, pode vir a suceder aquilo que já todos comprovámos com anteriores fantasias brandidas como sinónimo de sucesso assegurado.

Passados alguns anos, verificamos o seu completo fracasso ou escassíssimo mérito, sem nenhuma correspondência com os recursos atribuídos, rapidamente malbaratados nas fantasias abraçadas.

Ganhemos primeiro credibilidade de base, pondo a funcionar um Sistema de Ensino desacreditado, caro, ineficiente, delapidador de recursos e frustrante para os Professores conscientes e dedicados que se esforçam por salvar alguma coisa do imenso caos em que há demasiados anos todo o sistema educativo caiu, mas sobretudo o Primário e o Secundário, verdadeiro açougue de potencialidades e vocações, de outra forma vantajosamente aproveitadas.

Sem isto, de nada servirá anunciar a introdução dos Computadores, da Internet ou do Inglês nas fases iniciais do Sistema Educativo. Enganar-nos-emos uma vez mais, até à próxima confissão de mais um sonoro e rotundo fracasso.

Comecemos pelas coisas simples e pequenas, concretas, ao alcance de qualquer um e que ainda não há muito tempo se conseguia ensinar com proficiência regular, nos mais baixos graus de ensino e em qualquer escola pública do País.

Reabilitemos o Ensino Público, sobretudo o dos primeiros escalões, verdadeiro amparo dos cidadãos economicamente mais fracos, se queremos ganhar credibilidade para outros voos. De contrário, tudo não passará do tal fogo fátuo que dura pouco mais do que um fósforo. Lembremo-nos de que trinta anos já são passados desde que colectivamente nos prometemos um mundo novo e auspicioso, pleno de saber, de cultura e de bem-estar físico, social e económico.

E, sobretudo não mais culpemos o Gonçalvismo, o Salazarismo, a Primeira República, a Maçonaria, a Monarquia, a Igreja e a Inquisição, a saída nas Caravelas ou o Primeiro Afonso, que se rebelou contra a mãe, etc., etc., etc.

Tornemo-nos sérios, empreendedores, constantes no trabalho e nos objectivos, se queremos alcançar um lugar decente no concerto das nações da União Europeia e das demais pelo mundo fora.

Deixemo-nos de ledos enganos de alma, lá onde eles não têm nenhum cabimento.

Honremo-nos pelo trabalho sério e continuado, culpando-nos a nós primeiro pelos fracos resultados obtidos e procuremos, com solidariedade, porfiar no recto caminho, que os ventos hão-de mudar. Saibamos então aproveitá-los.

Ad augusta per angusta / A resultados elevados por caminhos estreitos.

AV_Lisboa, 30 de Março de 2005

Comments:
Grande Amigo António,
MARAVILHOSO! ADOREI! CONCORDO COM TUDO O QUE VOCÊ DISSE AQUI!
Fico horrorizada quando falam em computadores nas salas de aula como se a simples presença da máquina tornasse os alunos preparadíssimos. Em batucar teclas, você disse bem. Mas o que irão eles batucar? (Por aqui, talvez inventem um sambinha "maneiro"!).
Também fico muito irritada quando, aqui, enfatizam a boa qualidade da merenda... Que haja boa merenda nas escolas, ótimo, mas ESCOLA É RESTAURANTE?
BRAVÍSSIMO!
No meu entusiasmo, andei esquecendo vírgulas (no comentário do texto anterior), mas o que é uma simples vírgula diante da magnitude deste teclado em que estou batucando agora? (Não tiro o mérito desta máquina, sem ela não nos comunicaríamos, estando tão longe, com tanta facilidade, mas, antes de "batucar nas teclas" é preciso ter O QUE nelas batucar).
PRECIOSO seu texto!
Imagine uma professora aposentada como eu, que ainda pegou um pouco do bom ensino, que assistiu ano a ano a queda do mesmo, bem como ao aumento do desrespeito pela figura do professor, imagine como me fez bem ler seu texto. OBRIGADA!
MUITOS ABRAÇOS,
Bisbilhoteira. (www.bisbilhotices.blogger.com.br)
 
Amigo,
Concordo com o que está aqui escrito de forma lógica.
Que o ensino seja modernizado eu concordo; só não concordo que esta modernização seja em detrimento de aulas do curriculum clássico, porém sabemos que , tira-se espaço deste para a modernização que também é necessária, mas como uma atividade extra-curricular. Caricaturando um pouco mais eu direi que não está longe o dia em que a máquina vai substituir na íntegra a presença do professor ou professora em salas de aula ( do ensino fundamental ao superior).
Um abraço de
Semida
 
Vivemos a cultura do comodismo,da irresponsabilidade,da imagem e das aparências.
Afinal onde estão os Dr, e os Prof de quem era suposto esperar mais?
Onde estão as associaçoes de pais?E os ministros que tão mal têm gerido a educação?-Somos uma vergonha.
Meu caro M.Carlos,a educação inicia-se em casa,na escola aprende -se,é para isso que lá estão professores,e não as avós.
O que precisamos mesmo é ter professores que trabalhem e sejam
competentes,que não se publiquem manuais cheios de erros; nada disto requer mais investimentos nem mais pesquisa,que são sempre o pretexto para a situação a que chegamos
 
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